quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Deixa-me ser.

É estranho ter voz e não poder falar, ter gestos e não poder agir, ter dor e não poder sofrer, ter lágrimas e não poder chorar, ter vida e não poder viver...

Vivo presa a uma realidade que não condiz com a que vive em meus pensamentos. Tantos anos se passaram e nada muda, tudo permanece estático como em minha infância.

Gostaria que reparassem em mim, que percebessem que aqui dentro existe uma série de sentimentos e um coração que é feito de amor.

O que acontece comigo, permanece comigo. Nunca se preocuparam se estou bem, se meus estudos vão bem, se gostei da festa que fui, o que eu gosto de ler, o que gosto de ouvir, qual a minha cor favorita, a comida mais deliciosa que comi, qual o lugar que gostaria de visitar, quem são os meus amigos, se já me apaixonei, se sofri... coisas tão simples, mas que são tão significativas para a vida de uma pessoa. Inclusive para a minha.

Falar? O que é isso aqui dentro dessa casa? Eu pelo menos desconheço completamente. Eu deveria já estar acostumada, afinal quantos anos já se passaram e eu continuo fincada nessa realidade temerosa? 10 anos? 18?

Criou-se um verdadeiro abismo entre nós, cada um de um lado da montanha e acho que ninguém se deu conta disso, e se deu não faz a menor diferença, pois não tentam mudar em nada.

Já pensei tantas vezes em fugir, chorar ate doer, gritar... pra quê? Eu não sou nada, me completamente invisível nessa casa.

Sinto-me deixada de lado, como se a única pessoa que interessasse fosse ela. Eu? Sou uma adolescente displicente que não sabe fazer nada, absolutamente nada, nem atravessar uma rua de tão lesa que é. Acho que se não soubesse fazer isso estaria morta e seria capa de algum jornal local “Adolescente morre atropelada em frente à Universidade Federal da Paraíba”, dizem que qualquer pessoa me levaria porque confio em todo mundo, será que se fosse assim mesmo eu estaria ainda aqui?

Não me conhecem, nunca me conheceram e não faz a menor questão de me conhecer, passo despercebido diante dos olhos de vocês.

Passei tanto tempo com um nó na garganta, querendo falar tudo o que me desse na telha, mas não posso a única pessoa que poder falar é ela.

Ela é a certa em tudo, e todas as coisas que faço são consideradas erradas ou simplesmente não são consideradas.

Por isso me apego a livros, a músicas, amigos, esses me fazem sentir completa, fazem eu me sentir alguém visível. Liberta de mim esse nó que prende a minha garganta, esse aperto em meu peito.

Dentro de casa me sinto uma pessoa extremamente solitária.

Queria que o rumo dessa história mudasse, mas não basta uma pessoa só querer.

Queria que vissem que cresci, que atitudes tomadas em minha adolescência não condizem mais com a realidade do hoje, nós somos seres humanos e estamos em constante mudança, assim é você, assim sou eu, assim somos nós.

Amadureci, tenho conhecimentos a cerca de tantas coisas, meu intelecto se expande a cada dia, estudo Marx, Hegel, Max Weber, escuto Chico Buarque, Vinicius de Moraes, tenho maior criticidade a respeito das coisas, vejo o modo de produção capitalista com outros olhos – olhos de repressão, estudo Mitologia... é eles não sabem nada sobre mim.

Esse texto vai para o meu blog, eles nem sabem a respeito dele, nem sabem que escrevo e que gosto de fotografia...

Espero que um dia vocês possam ver isso com os seus próprios olhos.

E vejam que eu verdadeiramente amo vocês.

Um comentário:

  1. Adorei... Muitas vezes eu também me senti assim, vejo que eu não sou a única estranha... Mas, estranha, por quê? Somos estranhas porque as vezes nos sentimos sozinhas, se as vezes o mundo ao redor não nos nota, se as vezes nos apeganos a coisas para que isso possa suprir a falta de um alguém? Não, não somos estranhas, somos humanas, temos sentimentos... Só que as vezes ninguém percebe...

    Parabéns, Karina, o texto é fantástico, não descreve só a você ou a mim em outra época, mas a milhares de pessoas que no fim só precisam se sentirem amadas...

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